Carnaval 2025
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Carnaval 2025


O Carnaval, maior espetáculo da Terra, deveria ser o momento de exaltação máxima do samba, de seus ritmistas, passistas e das comunidades que sustentam essa manifestação cultural com suor e devoção. No entanto, o que se vê a cada ano é uma crescente descaracterização desse espaço sagrado em nome da exposição midiática e da conveniência comercial. Celebridades desprovidas de qualquer intimidade com o samba são alçadas a posições de destaque que, por mérito e tradição, deveriam ser ocupadas por quem realmente vive e respira esse universo. O resultado? Um espetáculo desajustado, onde a estética do improviso e da inaptidão toma o lugar da entrega genuína e da performance visceral que se espera de um desfile de escola de samba.

A nomeação de famosos que mal sabem marcar o ritmo com os pés para postos como rainha de bateria ou destaques centrais das alegorias é um sintoma perverso da mercantilização do Carnaval. A lógica do espetáculo televisivo sobrepõe-se à essência da festa, reduzindo a riqueza cultural do samba a um mero pano de fundo para figuras midiáticas que buscam projetar uma imagem popular, ainda que sem qualquer conexão autêntica com essa tradição. Essas personalidades não chegam às quadras nos meses de preparação, não se envolvem com os bastidores, não constroem laços com a comunidade. Elas simplesmente desembarcam no Sambódromo como protagonistas fabricadas, eclipsando aqueles que verdadeiramente dedicam suas vidas a esse ofício.


Essa invasão oportunista tem efeitos nefastos para os sambistas de raiz, cuja arte já é sistematicamente marginalizada ao longo do ano. O Carnaval deveria ser o grande palco de consagração para essas pessoas, mas, em vez disso, transforma-se em mais uma vitrine inacessível, onde só brilha quem pode pagar – ou quem atrai a atenção dos patrocinadores e diretores ávidos por mídia. A rainha de bateria, por exemplo, tradicionalmente simboliza a fusão entre carisma, resistência e uma entrega absoluta ao ritmo da bateria. Hoje, essa figura vem sendo substituída por mulheres que, embora exuberantes, falham em executar a mais simples cadência do samba no pé.

A falta de compromisso com a cultura do samba gera um cenário constrangedor, no qual o desfile passa a ser contaminado por performances artificiais, sem alma, sem identidade, sem o fervor que o Carnaval exige. Em vez da fluidez e da energia arrebatadora de uma verdadeira passista, vemos desfiles mecânicos, onde celebridades deslocadas tentam disfarçar sua inabilidade com sorrisos ensaiados e figurinos luxuosos. A consequência disso é um Carnaval empobrecido, onde o espetáculo se esvazia de sua essência e se transforma em uma caricatura de si mesmo.

E, como um ciclo previsível, o fim do Carnaval traz consigo o desmascaramento dessas apropriações. Passado o delírio das avenidas, essas celebridades retornam ao seu habitat natural – a bolha da alta sociedade, dos eventos exclusivos, da distância calculada do povo que fingiram representar. Não há envolvimento com as escolas nos ensaios subsequentes, não há presença nos eventos da comunidade, não há qualquer traço de continuidade no vínculo que supostamente construíram. Tudo não passou de um exercício de marketing, de uma tentativa desajeitada de se apropriar de uma cultura popular para fins próprios.

O Carnaval não pode ser reduzido a uma vitrine de vaidades. O samba é resistência, é história, é um território que pertence àqueles que o constroem com dedicação e pertencimento. Aceitar passivamente que essa tradição seja usurpada por quem não tem o menor compromisso com sua essência é compactuar com a corrosão de um patrimônio imaterial que deveria ser protegido e valorizado. Se queremos um Carnaval autêntico, precisamos devolver seus postos de honra a quem de fato pertence ao samba – e não a quem apenas o usa como trampolim para sua própria promoção.

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