Virginia Fonseca
Edilson Rodrigues/Agência Senado
Virginia Fonseca


O samba é mais do que uma batida contagiante ou uma coreografia ensaiada. Ele é território de memória, de resistência, de povo. É fruto de uma história ancestral, negra, marginalizada e, justamente por isso, riquíssima. Mas, nos últimos anos, temos assistido a uma transformação lamentável na avenida: o enredo do espetáculo vem sendo trocado pela lógica do algoritmo. Celebridades sem história, sem ginga, sem carisma e, sobretudo, sem nenhum vínculo com a cultura do samba, ocupam os espaços sagrados da folia como se bastasse o número de seguidores para garantir um lugar de destaque na bateria. A arquibancada vê, perplexa, esse desfile de constrangimentos que ofusca a verdadeira essência da festa.

Após um carnaval de 2025 marcado por críticas ferozes à superficialidade e ao esvaziamento simbólico da festa, parecia que o recado havia sido dado. Falava-se em resgatar as raízes, valorizar quem constrói o samba de dentro, quem tem vivência de quadra, chão de ensaio, terreiro. Mas a esperança de um giro na engrenagem foi por terra antes mesmo do ano virar. A escolha de Virgínia Fonseca como nova rainha de bateria da Grande Rio para 2026 é mais do que polêmica; é um sintoma de uma doença mais profunda: o sequestro da cultura por estratégias de marketing.


Claro, o anúncio não foi feito à toa. Vem na esteira do buzz em torno da CPI das apostas esportivas, da qual Virgínia foi protagonista involuntária. É publicidade gratuita, engajamento instantâneo. Mas essa esperteza mercadológica revela seu lado mais cruel quando olhamos quem paga a conta. Porque, assim como nas bets, onde os lucros se concentram e as perdas se espalham entre os mais vulneráveis, aqui também quem sai no prejuízo é o povo do samba, aquele que sustenta as escolas o ano inteiro, que borda fantasias, que se arrebenta na avenida por amor.

É desrespeitoso com quem construiu o Carnaval, é ofensivo com quem vive o samba na pele. Reduzir o posto de rainha de bateria a uma peça de campanha de influência digital é vulgarizar a festa. É esvaziá-la de sentido. É transformar a avenida em vitrine de uma elite engajada, mas desprovida de qualquer ligação com o batuque que pulsa no coração da comunidade.

O Carnaval é, antes de tudo, expressão popular. Não é espaço de experimento para campanhas de branding nem laboratório de influencers. Se o Rio quiser manter sua alma, precisa reagir. Urge que as escolas resistam à tentação do fácil, do viral, do oportuno. Porque, se continuar assim, o risco é que a avenida fique lotada, mas vazia de história, de verdade, de samba. Mas nem tudo está perdido: o samba agoniza, mas não morre.

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