
No Brasil, a política de segurança pública tem se convertido numa máquina de guerra contra a própria população. Casos recentes mostram que o padrão de violência adotado por forças policiais em São Paulo e no Rio de Janeiro deixou de ser exceção e passou a representar quase uma norma.
Em São Paulo, uma jovem foi morta com um tiro à queima-roupa por tentar defender seu irmão durante uma abordagem policial. Um ato de proteção familiar virou sentença de morte. No Rio, a cena se repete com nuances igualmente trágicas: uma festa junina comunitária, marcada por música, doações, orações e celebração, é invadida por policiais que atiram e matam jovens instantes depois de estarem dançando.
Esse tipo de ação não é fruto do acaso, mas consequência direta de uma política de segurança baseada no confronto e na desumanização. A lógica do inimigo interno, que trata jovens negros e pobres como ameaças a serem eliminadas está institucionalizada. Quando um Estado autoriza ou acoberta esse tipo de conduta, ele não apenas falha em proteger; ele se torna o principal agente do terror cotidiano nas periferias.
Não faltam registros, investigações jornalísticas, vídeos, relatos de familiares e testemunhas para compor a memória dessas atrocidades. Estão todos disponíveis para quem quiser ver, mas continuam sendo tratados como episódios isolados, como exceções lamentáveis dentro de uma engrenagem “necessária” para manter a ordem. Isso é mentira. O que há é um projeto falido, que confunde segurança com morte, e ordem com repressão. A normalização dessas mortes só reforça o ciclo de violência e injustiça que atinge sempre os mesmos corpos. A carne mais barata do mercado continua sendo a carne negra.
Chegamos a um ponto de saturação moral. Não dá mais para naturalizar o fato de que a juventude negra e periférica corre mais risco com a polícia do que com qualquer ameaça externa. Não dá para aceitar que a resposta do Estado à desigualdade e à exclusão seja o fuzil. A sociedade precisa exigir outra lógica de atuação, que respeite direitos, que preserve vidas e que trate cidadãos como cidadãos, e não como alvos justificáveis pelo contexto geográfico.
É urgente romper com esse pacto de silêncio e omissão que permite que o Estado continue matando sob o pretexto da segurança. A política pública que mira nos jovens pretos não é política: é barbárie. E nós, enquanto sociedade, precisamos dizer em alto e bom som que não dá mais. Porque não dá mesmo.