
Há coisas que uma sociedade jamais deve aceitar. E uma delas é saber que, em pleno século XXI, no Brasil que prometeu nunca mais repetir 1964, jornalistas foram alvo de investigações clandestinas conduzidas por estruturas paralelas do Estado. A quebra de sigilo da chamada “Abin Paralela” revelou que nomes como Ricardo Noblat, Mônica Bergamo, Vera Magalhães, Reinaldo Azevedo, Luiza Alves Bandeira, Pedro Cesar Batista e José Vitor de Castro Imafuku foram monitorados pelo aparato do governo Bolsonaro. A pergunta que qualquer cidadão precisa fazer diante desse fato é simples e devastadora: o que significa investigar jornalistas?
Noblat foi cirúrgico ao lembrar: “o que um jornalista publica é público.” Jornalistas não atuam nas sombras. Não há conspiração. Não há clandestinidade. Tudo que produzem está, invariavelmente, sob a luz dos olhos da sociedade. O trabalho jornalístico é, por definição, público, rastreável, transparente. Então, se jornalistas estão sendo investigados, não é para descobrir crimes, porque não há crime na produção da notícia. Estão sendo investigados porque produzem incômodo. Porque escrevem. Porque revelam. Porque informam. E isso tem um nome gravado na história brasileira: perseguição política. Terrorismo político.
É impossível não traçar um paralelo direto com o que se viveu no ciclo mais sombrio da nossa história. Em 1964, jornalistas foram monitorados, silenciados, exilados, presos, torturados e mortos. E quando achamos que tínhamos atravessado essa página, que as feridas abertas pela Comissão da Verdade e pelos livros de história tinham produzido vacina contra esse tipo de autoritarismo, somos violentamente arremessados de volta ao pesadelo. Que país é esse, que em 2025 descobre que, anos atrás, jornalistas eram espionados por estruturas clandestinas do próprio Estado?
Diante disso, não cabe silêncio, não cabe neutralidade, não cabe covardia. As instituições representativas do jornalismo brasileiro, ABI, Fenaj, ANJ, sindicatos, associações de imprensa têm o dever histórico, moral, jurídico e institucional de se levantar imediatamente. De exigir, com todas as letras e sem tolerância, que os responsáveis sejam judicializados, processados e punidos e criminalizados, independentemente de quem sejam, de que lado estejam ou de que governo representam. O jornalismo não pode aceitar que sua existência seja tratada como ameaça. Quando se investiga um jornalista, não é a pessoa física que se coloca na mira. É a própria democracia.
Que este texto sirva como alerta, denúncia e convocação. Porque hoje são Noblat, Mônica, Vera, Reinaldo, Luiza, Pedro e José Vitor. Amanhã, pode ser qualquer voz que ouse exercer o direito fundamental de informar. A história já nos ensinou uma vez, e a duríssimas penas, o preço de olhar para o lado enquanto o autoritarismo se organiza no subsolo do Estado. É dever de todos, especialmente das instituições do jornalismo e da sociedade civil, não permitir que nunca mais signifique nunca mais, de verdade.