
Há espetáculos que não são apenas peças de teatro, são experiências de vida, encontros que nos atravessam, nos transformam e, de alguma maneira, nos fazem mais humanos. E faltam apenas três dias para o fim da temporada no Teatro Clara Nunes, no Rio de Janeiro, de “Clarice, uma vida que se conta”, protagonizado e idealizado por Beth Goulart. Uma travessia poética e profundamente sensível pela vida, pela obra e pela alma de Clarice Lispector, essa mulher que, mais do que escrever, decifrava os enigmas da existência e escancarava as dores e as delícias de simplesmente… ser.
A atuação de Beth é mais do que uma performance: estado de presença, uma comunhão com a essência de Clarice. Está no olhar, no tom da voz, nos silêncios escolhidos com precisão quase mística. A caracterização, minimalista e sofisticada, não se limita a compor a figura externa de Clarice; ela parece brotar de dentro para fora, como se, naquele palco, as fronteiras entre atriz e personagem deixassem, por instantes, de existir.
Não há a menor dúvida de que estamos diante da maior entrega de uma artista que, ao longo de anos, se tornou uma das maiores especialistas (talvez a maior) no campo das artes cênicas do universo clariceano. Beth não interpreta Clarice. Ela a incorpora, a sente, a traduz e, sobretudo, a compartilha. E não é exagero dizer que, em Beth, mora uma Clarice. E a prova mais concreta disso está também nas páginas do livro “O Que Transforma a Gente”, lançado pela Editora Planeta. Um daqueles livros que não queremos deixar na estante, mas guardar na gaveta, como quem guarda uma carta preciosa de alguém muito amado.
A temporada está prestes a se encerrar, faltam apenas três dias. E é quase uma missão de vida dizer: não deixe passar. Vá. Eu estou aqui me tremendo com a possibilidade de não chegar a tempo. Se você está no Rio de Janeiro, permita-se esse encontro com a poesia, com a existência, com a potência de uma mulher que sentia as dores do mundo e, com uma simplicidade cortante, devolvia a todos nós a beleza de olhar para dentro. Porque Clarice falava de coisas profundas com a naturalidade de quem pergunta se você quer mais um café.
Parabéns, Beth Goulart, por este trabalho que é pura alma, pura generosidade e pura entrega. Hoje é difícil, e talvez até impossível, olhar para você, dentro ou fora do palco, e não lembrar de Clarice. Porque quando a arte encontra morada na alma, ela transcende. Ela permanece. Ela se funde. Ela se confunde. Ela nos deixa uma marca eterna.