Renata Lo Prete
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Renata Lo Prete

A crítica televisiva é um espaço de análise, reflexão e diálogo. Trata-se de uma área que busca compreender e revelar ao leitor os bastidores da linguagem, os efeitos das escolhas estéticas e narrativas, o impacto cultural de um programa ou personagem. É, portanto, um exercício de inteligência e sensibilidade. O que não cabe mais é reduzir esse trabalho, seja de jornalistas ou de artistas, a um quadro de “nota 10” e “nota zero”, como faz a coluna Play, do jornal O Globo. Esse modelo é um resquício dos anos 80, quando colunas sociais avaliavam roupas e presenças em festas, um folclore jornalístico que já não encontra espaço na crítica cultural contemporânea.

Dar “nota zero” a alguém, especialmente a colegas de profissão, não é apenas anacrônico, mas também antiético. A crítica pode ser dura, incisiva, até desconfortável, mas precisa ser sempre pautada por rigor analítico, não por uma cartilha de aplausos e apupos. O uso dessa nomenclatura carrega consigo uma pecha de julgamento pessoal, mais próxima da humilhação pública do que da reflexão crítica. Em vez de elevar o debate, rebaixa o gesto jornalístico à condição de passatempo antiquado com a nota 0. A crítica é válida, mas quando ilustrada com uma nota 0, além do texto da crítica, é desrespeitoso, e por isso foi descontinuado das grandes redações, sendo assim um resquício, um farelo insistido nas mãos de Patrícia Kogut, hoje entregue a jornalista Ana Luíza, que é uma excelente crítica, diga-se de passagem. Mas a nota 0 é desnecessária, antiga, e vamos lá: algo bem cafona para 2025.

O curioso é que a maioria das redações compreendeu isso ainda no início do ano de 1995. A crítica evoluiu, ganhou novas ferramentas, passou a dialogar com o público leitor em outras linguagens. Apenas O Globo manteve essa estrutura fossilizada de dar nota 0, como se ainda vivesse no tempo das colunas sociais em que se ditava, com ares de tribunal, o que merecia aplauso ou desprezo. É como se a crítica permanecesse presa ao Velho Testamento, enquanto o restante da imprensa já virou a página e escreve, há décadas, em novas linguagens interpretativas as críticas.

É importante lembrar que ninguém precisa de uma nota para compreender a qualidade ou a fragilidade de um trabalho. E muito menos entender um parágrafo crítico. O leitor é inteligente, sabe interpretar os argumentos. Uma crítica bem construída, fundamentada e elegante cumpre sua função sem precisar se escorar em números ou rótulos de aprovação e reprovação. Ao insistir nesse recurso de Nota 0, O Globo não apenas fragiliza e vulgariza a crítica como gênero, mas também corre o risco de afastar o público que busca reflexão e não simplificação.

O que deveria ser refinamento se tornou grosseria. A crítica jornalística não é sobre premiar ou punir, mas sobre iluminar. O Globo, ao manter o “nota zero”, insiste num formato que desrespeita tanto os alvos da crítica quanto os leitores que a consomem. É hora de se modernizar: não por capricho estético, mas por compromisso ético e intelectual. Se há um “nota zero” a ser dado, ele é para esse modelo ultrapassado, que precisa ser abandonado em nome da sofisticação e do respeito que a crítica televisiva merece. Vale a reflexão. Vale a crítica, mas não vale NOTA 0. É medieval e ninguém mais faz esse tipo de coisa na área, além do Globo.

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