Gilberto Braga e Edgar Moura em foto publicada nas redes sociais
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Gilberto Braga e Edgar Moura em foto publicada nas redes sociais



Há obras que não pertencem apenas ao seu tempo, mas que condensam nele uma espécie de espírito coletivo, uma pulsação que ultrapassa o terreno da ficção e se converte em documento cultural. Vale Tudo é exatamente isso: não apenas uma novela, mas uma crônica sociológica do Brasil do fim dos anos 1980, quando a redemocratização ainda era um território em disputa e a pergunta “Quem matou Odete Roitman?” traduzia uma inquietação maior: quem havia matadoo pior lado cívico de um país? Ao se propor a reescrever um texto com esse peso histórico, o mínimo que se exige é respeito ao "lastro intelectual" do original; esse é o apontamento que acaba de fazer o viúvo de Gilberto Braga, Edgar Moura Brasil.

A crítica feita pelo viúvo de Braga não é mero desabafo sentimental: trata-se de um gesto de defesa do patrimônio cultural que seu ex-companheiro construiu. "Manuela Dias não teve lastro nem intimidade intelectual para fazer um remake da monta de Gilberto Braga", postou Edgar.

Quando Moura afirma que Manuela Dias não tem “lastro nem intimidade intelectual” para revisitar a trama, ele denuncia a distância entre a densidade sociológica de Vale Tudo e a proposta que agora se apresenta. Um remake não é uma cópia literal, mas uma interpretação, e toda interpretação exige compreensão profunda do texto original. Sem essa escuta, o que se tem não é recriação, mas deformação.

O problema central do remake atual é a tentação de atualizar Vale Tudo trocando apenas elementos superficiais, sem captar o seu nervo moral. Ao modificar radicalmente a trama, Manuela parece ignorar que a força de Gilberto Braga, Leonor Brassan e Aguinaldo Silva, não residia na intriga policial ou nas reviravoltas sentimentais, mas na maneira como seus personagens encarnavam dilemas éticos de uma sociedade corroída pela corrupção e pela desigualdade. Sem esse horizonte ético, Vale Tudo se torna apenas uma novela de consumo, esvaziada da mordacidade crítica que a transformou em clássico.

Convém lembrar que Gilberto Braga foi, acima de tudo, um autor com um olhar quase clínico para diagnosticar o Brasil. Sua sofisticação estava em equilibrar a ironia mundana com uma percepção profunda das estruturas sociais. Não é possível transplantar essa escrita sem compreender seu subtexto. Edgar Moura Brasil, ao intervir no debate, dá voz não só à memória afetiva de quem conviveu com o autor, mas ao olhar de quem conhece de perto o rigor intelectual que fundamentava sua obra. Sua crítica, portanto, não deve ser vista como mero ressentimento, mas como uma advertência legítima contra a diluição de um legado.

O remake de Vale Tudo poderia ser uma oportunidade de dialogar com o presente, trazendo a corrosão ética dos anos 80 para as contradições do Brasil atual. No entanto, sem profundidade crítica, o resultado se aproximou mais de uma paródia do que de uma atualização. Ao desconsiderar o peso da herança de Gilberto Braga, o que Edgar quer dizer é que a novela se perdeu em invenções gratuitas e afastou-se da essência que lhe deu grandeza. Nesse sentido, é justo reconhecer: Edgar Moura Brasil tem razão. Defender Vale Tudo de uma adaptação superficial não é resistência ao novo, mas sim lealdade à inteligência cultural que a consagrou.

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