Imagem da série Tremembé
Divulgação/Prime Video
Imagem da série Tremembé

Há algo profundamente doente na sociedade quando os assassinos de crimes hediondos passam a ter milhares de seguidores e se comportam como críticos de suas versões dramatizadas. A estreia da série Tremembé trouxe à tona não apenas uma história de crime e castigo, mas um espetáculo paralelo e repugnante: os próprios assassinos, como, por exemplo, os irmãos Cravinhos, hoje em liberdade, comentando nas redes sociais, avaliando atores e o roteiro que seus gestos hediondos deram origem. Agem como se não fossem verdadeiros monstros, mas personagens de ficção, como se o que fizessem fosse apenas roteiro, não sangue real. É a transformação do crime hediondo em entretenimento, e do assassino em espectador ativo da própria atrocidade.

O que estamos testemunhando é a falência moral de uma sociedade que confunde o direito à liberdade com o direito da memória das vítimas. Porque liberdade não é palco para quem ceifou vidas com requintes de crueldade posar de comentarista cultural. É um ultraje civilizatório ver criminosos hediondos, condenados por assassinato, transitando impunes pelas redes como se fossem celebridades redimidas, quando o que deveriam carregar é o silêncio, o arrependimento e o dever ético de desaparecer da esfera pública. A internet não é confessionário nem tribuna de vaidades para quem destruiu famílias e destroçou futuros.

O problema não é apenas jurídico: é moral, é simbólico, é ético. A impunidade simbólica, essa que não se mede em anos de pena, mas em curtidas e visualizações, é o novo triunfo da barbárie. Quando um assassino ganha voz, a vítima é calada de novo. Quando o criminoso comenta a própria encenação, ele reescreve a história, se autopromove, tenta humanizar o que a justiça declarou monstruoso. O pior: ainda vira manchete de notícia. E nós, espectadores distraídos, e principalmente como parte da imprensa, colaboramos com o horror ao dar voz, compartilhar, reagir.

Estamos, sem perceber, alimentando os algozes. É preciso dizer sem meias-palavras em meio ao crescimento do 'True Crime' no Brasil: assassinos hediondos não merecem espaço público. Apenas os atores que os interpretam. Nenhum espaço, nenhuma chamada, nenhuma notícia. Nenhuma conta de rede social deveria servir como vitrine para quem cometeu atrocidades hediondas. É necessário, sim, que essas contas sejam denunciadas, banidas, extirpadas da convivência digital. Porque quando o palco é oferecido a quem matou, o espetáculo deixa de ser arte e passa a ser apologia. A liberdade de expressão não pode ser usada como escudo para a degradação moral coletiva.

O Brasil precisa reencontrar o sentido da palavra “vergonha”. Precisamos voltar a distinguir o que é humano do que é inaceitável. Que Tremembé sirva de reflexão, não de revival de fama. Que a sociedade entenda que dar espaço a assassinos é reabrir o túmulo das vítimas. E que cada curtida, cada comentário, cada compartilhamento dado a esses criminosos, cada matéria que reproduz a voz desses assassinos na imprensa do entretenimento é, simbolicamente, um novo golpe desferido contra a memória dos mortos. Não há nada mais obsceno do que ver o horror pedir aplausos e recebê-los.

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