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'Senta Lá, Cláudia': O Descompasso da 'Baiana' de São Gonçalo

Enquanto Brown prioriza relação pessoal sobre valor que deveria proteger, parte do público espera que, um dia, Claudia sente e reflita

Claudia Leitte
Foto: Laís Seguin
Claudia Leitte


Nos últimos dias, Claudia Leitte se viu no centro de uma polêmica ao alterar o final de uma de suas músicas, substituindo o nome de Yemanjá, uma referência ao orixá, por Yeshua, um termo hebraico para Jesus. A mudança foi percebida por muitos como um gesto de desrespeito às religiões de matriz africana, desencadeando um debate acalorado sobre a representatividade cultural.

A reação veio rapidamente. Tourinho, secretário de Cultura de Salvador, criticou publicamente a atitude de Claudia, chamando atenção para o simbolismo desse gesto e a perpetuação que ele representa. O apoio de Ivete Sangalo ao posicionamento de Tourinho, com uma curtida em sua publicação, deu ainda mais força à discussão. Afinal, Ivete, como Claudia, é ícone do Axé, um gênero musical que nasceu no berço da cultura afro-brasileira. E nesse contexto, a expressão já popular “Senta lá, Cláudia” parece ter encontrado um novo significado, sintetizando mais um episódio em que a cantora tropeça em temas sensíveis à sociedade.

A inserção de Yeshua no lugar de Amanjá é problemática porque ignora as raízes do Axé, um gênero intrinsecamente ligado à cultura afro-brasileira e às religiões de matriz africana. Esse tipo de escolha transmite uma mensagem de apagamento cultural, especialmente quando vem de alguém que construiu sua carreira em cima da música que celebra essa ancestralidade. Para além de um problema de escolha pessoal, o ato de Claudia reforça estruturas históricas de exclusão religiosa.

A situação ganhou contornos ainda mais polêmicos quando Carlinhos Brown saiu em defesa de Claudia. Apesar de ser um dos maiores representantes da música afro-brasileira, Brown optou por priorizar a amizade com Claudia, minimizando a gravidade da situação. Sua defesa resvalou em um discurso que deixou claro o peso de alianças pessoais sobre valores que, por essência, ele deveria proteger. Nesse contexto, Brown perdeu a oportunidade de se colocar como uma voz firme em defesa da cultura que ele representa, e isso é, no mínimo, decepcionante.

Por outro lado, o fato de Claudia Leitte ser uma cantora de Axé nascida em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, traz um simbolismo que merece reflexão. Embora seja uma das grandes estrelas do gênero baiano, sua origem fora desse cenário talvez ajude a entender sua desconexão com as raízes profundas do Axé. Isso não é uma questão de territorialidade, mas de consciência cultural. Ser uma “baiana de São Gonçalo” no Axé deveria ser um convite à valorização e ao aprendizado, e não um álibi para decisões que ferem a essência do gênero.

Por fim, esse episódio nos convida a pensar sobre a responsabilidade de artistas com a cultura que representam. O Axé é muito mais do que música; é uma expressão de resistência, celebração e respeito. Claudia Leitte, com sua voz e alcance, poderia usar sua plataforma para celebrar essa riqueza, e não para minimizá-la. Enquanto isso, seguimos repetindo: “Senta lá, Cláudia”, com a esperança de que, um dia, ela escolha ouvir e aprender.