Marielle Franco
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Marielle Franco


Mark Zuckerberg, dono da Meta, afirmou recentemente que no Brasil existem “tribunais secretos”. Sua fala, carregada de uma suposta preocupação com transparência e liberdade de expressão, é, na verdade, um equívoco grosseiro ou, no mínimo, uma demonstração de ignorância sobre como funciona o sistema jurídico brasileiro. No Brasil, não há tribunais secretos no âmbito do Estado Democrático de Direito. O que existe são processos em segredo de justiça, uma prática legítima e prevista em lei. 

No entanto, a crítica de Zuckerberg nos oferece a oportunidade de falar sobre outro tipo de tribunal: aquele que, de fato, opera nas sombras e sem qualquer compromisso com a justiça. Esse tribunal existe, sim, e ele determinou a morte de Marielle Franco. Se Zuckerberg estivesse realmente interessado em entender o que há de “secreto” no Brasil, ele deveria olhar para o tribunal das milícias, das máfias, dos grupos de extermínio que operam à margem do Estado. Esse, sim, é um tribunal que condena sem julgamento público, que estabelece suas próprias leis e que aplica penas de morte.

Foi esse tribunal secreto que decidiu executar Marielle Franco em março de 2018, uma vereadora negra, feminista e LGBTQIA+, que ousou desafiar os poderes paralelos que atuam em conluio com setores corruptos das forças de segurança. Esse tribunal não apenas determinou a morte de Marielle, mas também passou anos operando uma máquina de desinformação e mentiras para despistar a autoria do crime.

O que Zuckerberg talvez não entenda – ou talvez prefira ignorar – é que esses tribunais clandestinos têm poder porque se alimentam exatamente do ecossistema de desinformação que as plataformas como Facebook e Instagram ajudam a proliferar. Foi por meio dessas redes que inúmeras mentiras sobre Marielle foram espalhadas, desde teorias conspiratórias até ataques pessoais, tudo com o objetivo de desacreditar sua trajetória e desviar o foco do que realmente importa: quem mandou matar Marielle? As plataformas de Zuckerberg não apenas permitem que essa desinformação circule, como também lucram com ela, tornando-se cúmplices, ainda que indiretamente, desses tribunais paralelos.

Ao falar em “tribunais secretos”, Zuckerberg tentou pintar um quadro de um Brasil autoritário, onde decisões judiciais seriam tomadas à revelia da sociedade. Essa é uma narrativa que atende a interesses obscuros, especialmente aqueles que buscam deslegitimar o sistema jurídico brasileiro e enfraquecer a luta contra crimes como o assassinato de Marielle.

Mas a verdade é que o único tribunal secreto que existe no Brasil é aquele que opera nas periferias, nos porões, nos gabinetes de políticos corruptos, no silêncio das armas que decidem quem vive e quem morre. Esse tribunal opera há décadas e se aproveitam da omissão do Estado para fazer valer suas próprias leis.

Zuckerberg, com seu discurso, parece querer se eximir da responsabilidade que suas plataformas têm na propagação do ódio, da intolerância e da desinformação. Em vez de se preocupar com a existência de processos legítimos em segredo de justiça, ele deveria olhar para o papel que suas redes desempenham na consolidação de tribunais paralelos que agem à margem da lei. Afinal, é justamente nesses espaços digitais, sem controle e sem regulação, que esses tribunais secretos ganham força e influência. Se a leis e normas na sociedade, elas também precisam valer no âmbito digital. E se você é contra, não adianta dizer depois, quando o lesado for você mesmo: "internet não é terra sem lei".

Portanto, se há algo secreto no Brasil, não é o funcionamento do Judiciário, que, apesar de suas falhas, continua sendo parte fundamental do Estado Democrático de Direito. O que é secreto – e verdadeiramente perigoso – são as decisões tomadas por grupos criminosos que usam o medo e a violência para impor suas regras.

É o tribunal da milícia, das máfias, dos assassinos de Marielle. Esse tribunal existe, sim, e continua operando. O problema é que Zuckerberg parece não estar interessado em combater esse tipo de tribunal. Pelo contrário, ao propagar a ideia de que o Estado brasileiro funciona de maneira clandestina, ele reforça o poder de quem realmente age nas sombras.

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