
A dor de um momento difícil tem o poder de nos cegar. Quando tudo parece ruir, quando a solidão se impõe, quando o trabalho escasseia e a mente se fecha em um labirinto de angústia, é natural buscar explicações. Mas há uma linha tênue entre refletir sobre as próprias feridas e transformá-las em uma acusação velada. No desabafo recente de Nando Cunha, era impossível não sentir o peso da sua dor — a depressão, a falta de oportunidades, a sensação de abandono. Tudo isso é legítimo. Mas há um ponto delicado que precisa ser trazido à tona com o mesmo cuidado com que se toca em algo frágil: a responsabilidade sobre as próprias dores.
A impressão deixada por suas palavras foi clara. Ao insinuar que sua ex-companheira se afastou quando ele já não estava no auge, Nando ativou uma narrativa antiga, quase automática: a de que o amor, para ser verdadeiro, precisa resistir a tudo, e que a partida de alguém em um momento difícil é sempre um ato de egoísmo. Mas a realidade é mais complexa. O fim de um relacionamento é sempre o resultado de muitas camadas, e culpar apenas o outro, atribuindo-lhe o papel de vilão, é simplificar algo que quase nunca é tão simples assim.
Todos têm o direito de escolher seus caminhos. A ex-parceira de Nando, como qualquer pessoa, tinha o direito de partir, independentemente das circunstâncias. Relacionamentos terminam por inúmeros motivos, e não é justo reduzir isso a uma questão de interesse ou abandono. Quando culpamos alguém pela nossa dor, retiramos de nós mesmos a responsabilidade por nossas escolhas e pelas consequências da vida. E, por mais difícil que seja encarar isso, essa transferência de culpa muitas vezes tem um nome: narcisismo.
Não se trata aqui de um ataque a dor do ator, JAMAIS ! Mas sim de um chamado à reflexão. O narcisismo, no sentido mais humano da palavra, não é apenas vaidade ou grandiosidade — muitas vezes, ele se manifesta na incapacidade de assumir a própria vulnerabilidade sem buscar um culpado externo. Dizer “fui deixado porque perdi o brilho” pode parecer um desabafo honesto, mas também carrega a armadilha de transformar a dor em ressentimento, de buscar um motivo fora de si para justificar o que, no fundo, é um processo natural da vida.
A retratação de Nando veio rápido, e isso diz muito. Ele percebeu o peso das suas palavras, entendeu a repercussão e reconheceu que sua dor falou mais alto do que a razão. Isso, por si só, é um gesto valioso. Mas a lição permanece: ninguém é obrigado a permanecer ao nosso lado quando tudo desmorona.
O amor, o afeto e a parceria são escolhas diárias, não contratos inquebrantáveis. A grandeza não está em exigir lealdade incondicional, mas em aceitar que cada um tem o direito de seguir seu próprio caminho — assim como nós temos o dever de enfrentar as nossas quedas sem buscar culpados. Que o Nando refaça sua vida com todo carinho e amor e responsabilidade que ela merece.