Alessandro Lo-Bianco

O poder do futebol na tv aberta e o colapso da hegemonia global

Record dobra a audiência e esmaga a Globo com pico de 31 pontos e expõe supremacia do futebol sobre a dramaturgia na TV aberta

Final
Foto: Redação Jogada10
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O Brasil sempre se destacou como o país das novelas, mas os números recentes da audiência televisiva sugerem uma inversão de protagonismo. Se não bastasse a hegemonia incontestável do futebol aos domingos, quando garantia à TV Globo uma liderança folgada, que acabou passando para a Record em determinados jogos, essa última quinta-feira trouxe um dado histórico com a final do Paulistão: a transmissão da Record atingiu impressionantes 31 pontos de audiência, enquanto o “Big Brother Brasil”, tradicional trunfo da emissora carioca após a novela, em seu penúltimo capítulo, amargou meros 15 pontos.

A vitória não foi apenas simbólica — foi o dobro, um feito que reverbera não apenas nos gabinetes dos executivos das emissoras, mas no imaginário cultural do país. Esse fenômeno revela mais do que uma simples disputa por números. Ele escancara o poder de um produto que se confunde com a própria identidade nacional.


O futebol, mais do que um esporte, é um elemento estruturante da cultura brasileira, um ritual coletivo que transcende as limitações da ficção. Se as novelas, outrora o carro-chefe da TV aberta, perderam parte de sua força na era digital, o futebol permanece inabalável. Diferentemente da teledramaturgia, que requer um engajamento episódico e progressivo, o futebol oferece uma emoção imediata, imprevisível e visceral, capaz de mobilizar multidões com a força de um evento irrepetível.

A supremacia do futebol sobre a dramaturgia televisiva também passa por um fenômeno contemporâneo: a fragmentação da atenção. Enquanto as novelas competem com a ascensão das plataformas de streaming e a dispersão do público jovem, o futebol se beneficia do caráter efêmero e intransferível da experiência ao vivo. É a última fortaleza da audiência linear, o último bastião de um tempo em que a televisão ditava hábitos coletivos. Se um capítulo de novela pode ser visto sob demanda, um jogo de futebol não admite postergação — ou se vê no momento exato, ou se perde a história para sempre.

Além disso, os índices de audiência sugerem um possível esgotamento de formatos televisivos antes considerados imbatíveis. O “Big Brother Brasil”, que já demonstrou picos de popularidade, se vê agora vulnerável diante de uma competição inesperada. O reality show, que sempre apostou no voyeurismo e na narrativa de convivência humana, enfrenta um adversário que não precisa de roteiros nem de edições dramáticas para capturar a atenção do público. O futebol, com seu enredo caótico e espontâneo, prova que ainda é o espetáculo mais autêntico que a televisão pode oferecer.

Se há uma lição a ser tirada desse marco na audiência, é que o futebol, longe de ser apenas um fenômeno esportivo, permanece como um dos pilares da identidade brasileira. Na guerra pela atenção do espectador, a dramaturgia pode inovar, os reality shows podem se reinventar, mas poucos produtos culturais podem rivalizar com a paixão bruta que um jogo de futebol desperta. A televisão aberta pode mudar, mas enquanto o Brasil for Brasil, o futebol seguirá sendo seu espetáculo máximo.