Alessandro Lo-Bianco

Vale Tudo? Há sempre um preço a ser pago

Remake da clássica novela reacende o debate sobre ambição dos que transformam relações em escadas para a visibilidade

VALE TUDO
Foto: Globo
VALE TUDO


A estreia do remake de Vale Tudo trouxe de volta não apenas personagens icônicos da dramaturgia brasileira, mas também uma pergunta que nunca envelhece: até onde vale a pena ir para “subir na vida”? Maria de Fátima continua sendo a síntese de uma ambição sem freio — uma mulher disposta a passar por cima da própria mãe para alcançar um lugar ao sol. Mas o que mais impressiona não é a ficção. É a atualidade dessa personagem, sobretudo no contexto carioca, onde tipos como ela e César Ribeiro, intepretado por Reymond, são figuras fáceis de reconhecer.

Esses personagens vivem às margens da ética, alimentando suas vaidades com aparições, convites e selfies em lugares “certos”. Estão sempre atrás de um evento para chamar de seu, de uma festa para marcar presença, de uma oportunidade para se infiltrar — não por afeto ou admiração, mas por pura estratégia social. São obstinados por amizades que lhe direcionem ingressos e abertura em eventos. O remake acerta em cheio ao trazer esse comportamento de volta à pauta, porque ele nunca saiu de cena. No Rio de Janeiro, especialmente nos círculos onde a fama é capital social, os Césares e Fátimas se multiplicam.


São pessoas que se apresentam como melhores amigos, prestativos, solícitos. Entram nas nossas casas sem convite formal, tomam café na nossa cozinha, nos ouvem como se se importassem. Mas, no fundo, o que buscam é apenas uma ponte: um caminho que os leve do anonimato à relevância, mesmo que para isso seja preciso usar o nome, a imagem, a influência ou até a boa-fé dos outros. É o networking movido à manipulação. E a novela nos relembra com sutileza — e acidez — como isso funciona.

A crítica da obra é precisa porque não se trata de condenar a ambição em si, mas o modo como ela é exercida. A novela aponta o dedo para o custo humano dessas escolhas: a quebra de vínculos, o esvaziamento da identidade, a corrupção silenciosa dos afetos. Maria de Fátima e César, como tantos outros que encontramos fora das telas, acredita que tudo é uma questão de “estar no lugar certo com as pessoas certas”. O problema é que, quando tudo é estratégico, nada é verdadeiro.

A ironia — e a lição — é que esse tipo de personagem raramente sustenta o brilho por muito tempo. A fama conquistada por atalhos costuma ser efêmera. A credibilidade, uma vez comprometida, não se reconstrói com postagens ou aparições. No final, o que sobra é o desgaste: a reputação arranhada, os relacionamentos desfeitos, o nome citado com desconfiança. Porque quem transforma amizades em escadas acaba sendo lembrado como alguém que nunca soube chegar por mérito — apenas por ocasião.

Vale Tudo retorna à televisão em um momento oportuno, onde a exposição digital e a busca por relevância aceleram esse tipo de comportamento. E a novela nos oferece uma reflexão fundamental: subir na vida é legítimo — desde que não se perca, no caminho, aquilo que nos torna inteiros. Porque se valer tudo significa vender valores, usar pessoas e se esvaziar de princípios, então o sucesso, quando chega, vem acompanhado de uma conta alta. E nem sempre dá pra pagar.