
Em um dos episódios mais constrangedores da política recente, a vereadora paulistana Cris Monteiro afirmou, durante sessão na Câmara Municipal de São Paulo, que não é ouvida por ser “uma mulher branca, rica e bonita”. A fala viralizou, gerando repúdio imediato. Mas mais do que apenas polêmica, ela representa um exemplo didático e alarmante de como o privilégio pode ser tão entranhado que se torna invisível aos próprios privilegiados.
É historicamente indefensável que uma mulher branca e de classe alta alegue estar em desvantagem em um país onde, por mais de cinco séculos, a estrutura de poder foi desenhada para servi-la. Desde a colonização, a elite branca acumulou terras, riquezas, espaço político e acesso à educação — à custa do sangue e da exclusão de negros, indígenas e pobres. Até hoje, as estatísticas revelam que as maiores vítimas da violência, da fome e da marginalização são corpos pretos e periféricos. Dizer que uma mulher branca rica não é ouvida é uma distorção que fere a verdade histórica do Brasil.
Se há alguém que sempre foi silenciado neste país, não é quem se encaixa no padrão de beleza europeu, frequenta os mesmos espaços que os donos do poder e tem acesso direto aos microfones do parlamento. São as mulheres negras, que raramente chegam a cargos públicos; os indígenas, cuja voz é apagada nas cidades e nos campos; os pobres, cujas histórias sequer chegam ao noticiário. E essas pessoas não são ignoradas por escolha, mas por um sistema que sistematicamente lhes nega espaço, escuta e dignidade.
A fala de Cris Monteiro também revela uma tentativa perversa de apropriação da linguagem da exclusão. Transformar atributos socialmente valorizados — riqueza, branquitude e beleza — em instrumentos de vitimização é um insulto à luta dos verdadeiros silenciados. É como se dissesse: “não sou ouvida por ser tudo o que o sistema privilegia”. É uma inversão lógica que só pode ser feita por quem nunca precisou disputar espaço de verdade.
Esse tipo de discurso não pode mais ser tratado como “equívoco” ou “falta de tato”. Vindo de uma parlamentar eleita, ele carrega responsabilidade e consequência. O parlamento não é palco para vaidades ressentidas, mas para projetos e discursos que levem em conta a complexidade social do país. E isso exige, no mínimo, conhecimento histórico e empatia.
Se Cris Monteiro realmente se sente ignorada, talvez o incômodo não seja com o silêncio do outro, mas com o fato de que, finalmente, outras vozes estão sendo ouvidas. Vozes que antes não tinham nem cadeira no plenário. A política, felizmente, está mudando. E quem sempre falou sem ser interrompido agora precisa aprender algo básico: ouvir também é um ato político.