Alessandro Lo-Bianco
Exclusivo

Entre ruídos e joelhos: o JN tropeça na própria narrativa

Ao justificar polêmica entre Bonner e Scamparini com uma suposta lesão, Globo escorrega no próprio código de ética

William Bonner e Ilze Scamparini
Foto: Reproduçao TV Globo
William Bonner e Ilze Scamparini


A polêmica envolvendo William Bonner e a correspondente Ilze Scamparini em uma edição do Jornal Nacional, marcada por um desconforto visível entre ela e o editor chefe, gerou repercussão nas redes e na imprensa. Loogo depois, os dois vieram a público alegar que Ilse estaria tratando uma lesão no joelho, o que justificaria sua participação limitada. Mas ao tentar acalmar os ânimos com essa explicação, a Globo acabou criando um novo dilema ético que já repercutiu no conselho do Grupo.

O Código de Ética e Conduta do Grupo Globo é claro ao afirmar que nenhum colaborador pode exercer funções sob risco à própria saúde. Se Scamparini estava, de fato, lesionada e em tratamento, por que foi colocada diante das câmeras em uma cobertura extenuante, com frio e longas horas de espera em pé? Nada foi passado ao Bonner no dia? A resposta dada ao público contradiz os próprios princípios que ela diz prezar e também pegou mal internamente.

Ao tentar desmentir um ruído evidente entre âncoras, o Jornal Nacional escorregou em uma explicação que pode ter aberto um flanco ainda mais grave: estaria o telejornal mais assistido do país obrigando seus profissionais a trabalhar mesmo quando sua integridade física está comprometida? A Globo, que exige transparência e ética de seus jornalistas, deve também responder a essas exigências.

Além disso, o discurso público de valorização dos profissionais não combina com práticas que colocam em xeque o cuidado com a saúde da equipe. A tentativa de blindar Bonner acabou expondo uma possível negligência institucional. E, em tempos de vigilância sobre ambientes carregados de pressão, esse tipo de contradição não passa mais despercebido pelo público.

No fim, a explicação oferecida soou menos como um esclarecimento e mais como uma manobra de contenção de danos — que acabou, ironicamente, ampliando o dano internamente de acordo com o manual do próprio canal. O episódio evidencia não só um mal-estar entre jornalistas, mas também uma desconexão entre o discurso e a prática do maior grupo de comunicação do país.