Alessandro Lo-Bianco

Sebastião Salgado: o preto e branco da alma do mundo

Fotógrafo brasileiro deixa um legado que transcende a estética: obra é um primor sobre luz, textura e humanidade

Sebastião Salgado
Foto: Reprodução/Divulgação
Sebastião Salgado


A morte de Sebastião Salgado não é apenas a perda de um dos maiores fotógrafos brasileiros; é, acima de tudo, a partida de um mestre absoluto na arte de fazer a luz e a sombra dizerem mais do que qualquer palavra. Seu nome tornou-se sinônimo de uma estética profundamente técnica e, ao mesmo tempo, visceral: o preto e branco como escolha não estética, mas ética. Salgado não precisava de muitas cores; na verdade, talvez tenha sido o único que entendeu, com precisão cirúrgica, que a essência da imagem se alcança quando o supérfluo é retirado, e só resta o bruto, o real, o inegociável. O contraste nú. 

Poucos compreendem com a devida profundidade o grau de elaboração por trás da suposta simplicidade das suas imagens. Sebastião dominava como poucos a zona tonal intermediária: não se restringia aos contrastes óbvios entre luzes altas e sombras profundas, mas fazia da escala infinita de cinzas um campo de tensão e lirismo. Seu tratamento fotográfico, fruto de um meticuloso trabalho químico e ótico, criava atmosferas onde a textura da pele, da terra, do suor ou da poeira ganhava uma materialidade quase palpável. Cada grão, cada sombra, era uma escolha consciente, resultado de uma compreensão profunda do processo fotográfico, desde a captação até a ampliação final.

Sebastião Salgado não foi um fotógrafo de instantes mágicos, como Evandro Teixeira fazia como ninguém - e que também perdemos recentemente: foi um fotógrafo de processos. Fotografava povos, geografias e tragédias com a lentidão necessária para transformar o testemunho em documento e, o documento, em obra de arte. Em séries como Trabalhadores ou Êxodos, jamais se limitou a captar imagens chocantes ou esteticamente belas: ele construía narrativas complexas onde a composição rigorosamente pensada era indissociável do conteúdo humano. Seu compromisso ético com os retratados era tão radical quanto sua precisão técnica: nunca se tratou de estetizar a dor, mas de dar à dor uma dignidade estética.

Lembro que, logo nos primeiros períodos da minha faculdade, nos ensinaram que as fotos de Salgado eram retratos desesperados para comunicar a humanidade. Seu legado é, portanto, duplo: nos ensinou a fotografar melhor, mas, sobretudo, nos ensinou a olhar melhor.

Sebastião Salgado partiu. Deixou a mensagem que a estética não deve ser um fim, mas um meio; e que a fotografia, para ser realmente grande, precisa ir além do visual: deve tocar o que é invisível. O mestre se foi, mas sua luz fica para sempre.