
Há algo de trágico e profundamente irritante na tentativa de transformar filhos de apresentadores em apresentadores por osmose. Não é o sangue, o sobrenome ou o número de seguidores no Instagram que determina a vocação para o palco. É o carisma. É o talento. É o “borogodó”, como diz o bom e velho vocabulário popular. A televisão não pode ser um feudo familiar no quesito "escolha de apresentador", tampouco o público, uma massa amorfa pronta para engolir qualquer um que apareça sorrindo na tela. Quando a TV força um nome, a audiência engasga. E mesmo quando não cospe de imediato, não digere.
Não cabe aqui apontar nomes: o estrago é coletivo e visível demais. Vemos filhos de comunicadores consagrados sendo alçados a cargos e funções que não têm o menor preparo para ocupar. A câmera não respeita DNA: ela exige verdade, presença, brilho próprio. Mas o que se vê é a construção de produtos ocos, embalados com filtros e legendas inspiradoras, que só entregam um estilo de vida instagramável para justificar uma bet carimbada em postagens que não comunicam e não dizem, absolutamente, Nada. Sem substância, sem entrega, sem sintonia com o que o público espera de um comunicador.
Há, inclusive, quem insista que o tempo resolverá. Que basta “dar uma chance”, que com o tempo pega no tranco. Mas televisão não é oficina mecânica. Apresentador não se improvisa se revela. E se não revelou até agora, é porque talvez nunca tenha existido ali. Nesse teatro de aparências, o público percebe. E o que a audiência rejeita, cedo ou tarde, a indústria é obrigada a enterrar, embora relute em admitir.
Enquanto isso, apresentadores brilhantes, de entrega verdadeira e sensibilidade rara, seguem nos bastidores, invisíveis e inseguros por não terem o sobrenome certo. Isso não é apenas injusto. É burro. É o tipo de miopia que compromete a credibilidade de toda uma engrenagem que um dia já soube surpreender e encantar por mérito, não por apadrinhamento financeiro. E a quem resta apenas a pose e o sobrenome, sobra tentar convencer no feed o que não convence no palco.
Ser filho de alguém não é mérito. Ser apresentador, sim. Porque no fim, o público é soberano. É ele quem escolhe. A TV até tenta te empurrar alguém, mas só entra quem o público aceita. Quem tem brilho, alma e entrega. O resto é tentativa frustrada de fabricar encanto onde nunca houve sequer conexão. Depois, não adianta a TV aberta espernear que está perdendo público para a programação fechada, ou para os streamings.