
A discussão entre o primo de Fiuk e Carol, em A Fazenda, expõe mais do que um bate-boca de confinamento. Ela chama o rapaz de Playboy (o que ele é, sem tirar nem pôr, pois sua trajetória sempre esteve marcada pela sombra do privilégio familiar e da ausência de rumos próprios). Ele, em contrapartida, opta por devolver a provocação com algo muito mais grave: ofende afirma para Carol que ela é “mulher do job”, em outras palavras, prostituta, garota de programa.
A diferença entre uma constatação e uma ofensa é gritante. Carol apenas nomeou a realidade do primo de Fiuk, enquanto ele, sem provas e sem pudor, apelou ao preconceito mais rasteiro que uma mulher preta e de origem humilde pode escutar quando casa com algum milionária e vai morar no exterior.
É preciso dizer com todas as letras: o que o sobrinho do Fábio Júnior, Neto do Reynaldo Boury, e primo do Fiuk fez não foi defesa, foi ataque covarde. Quando uma mulher preta, periférica e casada com um estrangeiro é imediatamente reduzida, em rede nacional, ao estereótipo de que só teria prosperado por “se vender”, não se trata de um comentário atravessado. É a perpetuação de um racismo social e de um machismo estrutural que, ainda hoje, insiste em negar à mulher negra o direito de construir a própria história sem ser atravessada pela suspeita da prostituição.
O mais perverso é que o primo de Fiuk tenta fazer de sua fala uma retaliação proporcional. Não é. O rótulo de Playboy não é um insulto inventado: ele nasceu dentro de uma bolha de privilégios, foi bancado pela paciência e pelo bolso da família até que o avô, Reinaldo Boury, o empurrasse a força para uma carreira protocolar na televisão, resolvida em um “mergulhão” na Cal para garantir diploma e DRT. Naquela época, "seu Reynaldo", como eu o chamava e o conheci, já estava com a pacientecia no talo pelo longo tempo de ocisosidade do Neto, já com barba na cara. Não há vergonha maior do que negar a própria história e projetar sobre o outro um estigma infundado. Carol disse a verdade; o primo de Fiuk escolheu a mentira.
E ainda que Carol fosse, de fato, uma “mulher do job”, isso não deveria servir como munição para manchar sua honra em rede nacional. O corpo feminino não pode seguir sendo tratado como alvo de ofensa pública, como se uma profissão ou um modo de vida fosse mais humilhante do que a inércia dourada de quem passou a juventude inteira sem produzir nada de útil para si ou para o mundo. O erro do primo do Fiuk está na crueldade do julgamento, e na arrogância de achar que tinha esse direito.
Por fim, há uma ironia que o primo de Fiuk talvez prefira esquecer: sua própria irmã engravidou de um dinamarquês, de gêmeos, e deixou o Brasil. Hoje, assim como Carol, vive no exterior, sustentada por um relacionamento com um europeu. Mas, na cabeça dele, esse tipo de “classificação” só serve para recair sobre corpos pretos e periféricos como o da Carol. Eis a verdade que expõe sua fala: não foi resposta, foi racismo. Não foi ataque gratuito, foi preconceito. Playboy ele sempre foi; mas desumano neste contexto, revelou ser agora.