Alessandro Lo-Bianco

Sem anistia para 'Priscila Dantas'!

A pergunta que não quer calar: quem era que estava por trás do perfil falso, e qual consequência marcará o fim da história?

Afinal: quem era Priscila Dantas?
Foto: Reprodução/Instagram
Afinal: quem era Priscila Dantas?
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Há cantores que afinam a voz com o coração, e há os que desafinam com a razão. Zezé de Camargo, em sua recente epifania cívica, pediu anistia aos golpistas de oito de janeiro, gesto tão magnânimo quanto incoerente, vindo de quem jamais conseguiu administrar sequer a harmonia de um grupo de WhatsApp doméstico. No palco, ele canta o amor; nas redes, tenta reger a conciliação nacional, como se a democracia fosse uma melodia rural interrompida por maus modos urbanos.

Mas antes de pregar o perdão universal, Zezé talvez devesse revisitar os bastidores de sua própria casa. Lá, habita o folclore de 'Priscila Dantas', a personagem fictícia que, inventada por alguém do clã Camargo, transformou desavença familiar em farsa digital. “Priscila” é o nosso mito de origem da pós-verdade sertaneja: nasceu da necessidade de criar intriga, cresceu em grupos de mensagens e morreu de overdose de exposição. É a encarnação doméstica daquilo que o país, em escala maior, viveu em 8 de janeiro: uma mistura tóxica de mentira, vaidade e ressentimento.

O curioso é que o autor de “É o Amor” parece acreditar que a reconciliação é um ato de vontade individual, como se a república fosse um casal em crise. É o tipo de confusão comum a quem confunde política com refrão: simples, repetitivo e comovente, até enjoar. Pedir anistia é mais fácil do que pedir desculpas; perdoar os que atentaram contra o país exige menos coragem do que admitir a própria conivência com um discurso que alimenta o caos.

E o que dizer do zelo moral de quem tanto fala em “mamatas” enquanto faz turnê patrocinada por prefeituras? Zezé, que se orgulha de cantar para o povo, raramente menciona que é o povo quem banca o palco, o som e a luz. É uma ironia de manual: atacar a Lei Rouanet e viver de cachês públicos é a versão sertaneja da hipocrisia ilustrada, e o aplauso, nesse caso, deveria ser substituído por uma vaia com recibo.

No fim, o cantor que pede anistia ao país não consegue sequer manter a paz em seu quintal. A política é para ele o que a harmonia foi para “Priscila Dantas”: uma ilusão conveniente. O Brasil não precisa de novos conciliadores de microfone; precisa de quem entenda que perdoar golpista não é ato de amor, é cumplicidade melódica com o retrocesso. E, convenhamos, há notas que a história não perdoa, nem mesmo quando cantadas em dueto em tom desafinado. Mas, a pergunta que não quer calar é: 'Priscila Dantas' foi anistiada?