
Paulo Barros, renomado carnavalesco, ao afirmar que “desfiles de Carnaval com temática africana são todos iguais e ninguém entende nada”, expõe, em uma única sentença, não apenas seu desconhecimento histórico, mas também sua absoluta falta de sensibilidade cultural. Essa declaração, além de ofensiva, revela um pensamento reducionista que diminui a riqueza e a complexidade das narrativas afro-brasileiras no Carnaval.
O argumento de que todos os desfiles com temática africana são “iguais” demonstra uma visão estreita e superficial sobre uma das mais vastas e plurais matrizes culturais do Brasil. A África não é um bloco monolítico, mas um continente de 54 países, cada um com tradições, mitologias e estéticas próprias. A influência africana no Brasil não se resume a um único discurso ou a um conjunto homogêneo de símbolos, mas se manifesta em diversas expressões artísticas, religiosas e sociais que transcendem a compreensão rasa de quem enxerga a cultura apenas como espetáculo.
Se há repetições nos enredos carnavalescos, estas não vêm da temática africana, mas da limitação criativa de quem não se dispõe a estudá-la em profundidade. Acaso os desfiles sobre monarcas europeus, mitologia greco-romana ou Brasil Império são menos frequentes? A repetição, quando ocorre, não é culpa do tema, mas de quem o trata sem a devida originalidade
A frase “ninguém entende nada” é ainda mais preocupante, pois evidencia um pensamento colonialista, onde o conhecimento válido é aquele legitimado por uma elite intelectual ou estética que decide o que pode ou não ser compreendido. Quem são esses “ninguém” a quem ele se refere? O público negro que se vê representado nesses enredos? Os pesquisadores que dedicam suas vidas ao estudo das matrizes africanas? Ou o próprio carnavalesco, que talvez se encontre perdido diante de uma riqueza cultural que não se dispõe a decifrar?
A compreensão não é uma prerrogativa dos limitados, mas um exercício dos que se dispõem a aprender. Se Barros se vê incapaz de compreender as narrativas afro-brasileiras no Carnaval, isso diz muito mais sobre sua falta de preparo do que sobre qualquer suposta confusão inerente aos desfiles.
A história da presença africana no Brasil não se limita ao Carnaval, mas se entrelaça à formação do próprio país. De reis e rainhas do Benim e do Congo aos iorubás, fons, jejes e malês, a África não apenas influenciou o Brasil – ela moldou sua identidade. E se hoje o Carnaval celebra esses legados, é porque existe um compromisso com a reparação, a visibilidade e a resistência de um povo cuja cultura foi violentamente apagada ao longo dos séculos.
Portanto, afirmar que “ninguém entende nada” sobre os desfiles africanos não é apenas uma frase infeliz – é uma confissão pública de ignorância. A História, esta sim, é clara e acessível para quem deseja estudá-la. O problema, talvez, seja a falta de disposição para aprender.