É um erro grosseiro — e bem conveniente — acusar de hipócrita quem defende o SUS e, ao mesmo tempo, tem plano de saúde. Hipocrisia não é reconhecer que o sistema público é essencial para milhões de brasileiros, mesmo que alguns tenham condições de recorrer ao privado. É aquela velha história, não é preciso ser uma pessoa preta para ser antiracista. Hipocrisia é fingir que se importa com o povo enquanto sabota o único modelo de saúde que tenta, com todas as suas limitações, atender o país inteiro. Ter plano de saúde é uma necessidade para muitos; defender o SUS é um dever de todos.

Durante a pandemia de COVID-19, foram os médicos do SUS que estiveram na linha de frente, muitas vezes sem EPIs, enfrentando jornadas exaustivas, colocando suas vidas em risco — e perdendo-as. Vimos profissionais sendo enterrados com honras silenciosas, enquanto se propagavam remédios ineficazes. Enquanto muitos desses heróis do serviço público morriam lutando para salvar vidas, outros, com diplomas nas paredes e o juramento de Hipócrates na memória, receitavam cloroquina como se fosse pastilha para tosse.

O cúmulo da hipocrisia foi usar o jaleco branco como escudo para desinformação. A cloroquina, remédio para malária e doenças autoimunes, virou símbolo de uma guerra ideológica. Ideologias políticas seguiram essa cartilha. Receitavam o composto sem comprovação científica, ignorando protocolos, ignorando ciência, ignorando os colegas caindo nos hospitais. Defender o SUS e ao mesmo tempo recusar a ciência é cuspir no prato onde se come — e cuspir nos túmulos dos colegas.

A tentativa atual de deslegitimar quem valoriza o SUS é, na verdade, uma forma de desviar a atenção das verdadeiras contradições morais que vimos no auge da crise sanitária. O Brasil só não colapsou de vez porque o SUS segurou a barra. O mesmo sistema que é alvo de críticas injustas e que vive sendo sucateado resistiu — e continua resistindo — graças a profissionais comprometidos e ao esforço coletivo.

Defender o SUS é defender a vida. É lembrar com respeito dos que tombaram tentando salvar outras. É honrar o esforço dos que seguem firmes nos corredores abarrotados de hospitais públicos. Hipocrisia é zombar desse sistema enquanto se lucra vendendo esperança em cápsulas de mentira. Quem fala mal do SUS deveria, ao menos, lembrar dos colegas que foram enterrados enquanto se fazia propaganda de vermífugo em rede nacional.