Bebê Reborn
Divulgação Ellen Paglianti
Bebê Reborn


Há modas que revelam tendências culturais; outras, escancaram patologias. A febre dos bebês reborn no Brasil, que ultrapassou o limite do colecionismo para adentrar o território do delírio, pertence sem dúvida à segunda categoria. Quando adultos, em pleno uso de suas faculdades, simulam partos, saem às ruas empurrando carrinhos e adotam bonecos como se fossem filhos vivos, não estamos mais diante de uma manifestação inofensiva de afeto, mas da materialização escancarada de uma neurose social.

À luz da psicanálise, a substituição simbólica do real pelo imaginário em atos públicos tão intensos é um sinal claro de recalque, faltas, vazios e regressão. O bebê reborn, nessa lógica, representa a tentativa desesperada de remendar vazios emocionais que não foram trabalhados na vida consciente. Longe de serem objetos lúdicos, esses bonecos tornam-se fetiches de um desejo infantilizado de controle sobre o outro — um “outro” que, sendo boneco, jamais decepcionará, jamais crescerá, jamais abandonará.


É preciso dizer com todas as letras: a proliferação dessa prática não é um fenômeno fofo nem uma “terapia alternativa”, como alguns tentam romantizar. Trata-se de uma disfunção psíquica que ganha corpo coletivo e transforma a fantasia em modo de vida. A sociedade brasileira, já tão marcada por instabilidades afetivas, parece agora legitimar a fuga da realidade como resposta às angústias mais profundas, ao invés de encará-las com maturidade e elaboração simbólica.

Mais grave ainda é a romantização midiática desse comportamento, que trata como “tendência” o que deveria ser visto como sintoma. Quanto mais a realidade se torna insuportável, mais ela é substituída por simulacros. Estamos diante de um quadro alarmante de imaturidade emocional coletiva, em que o adulto se recusa a lidar com o sofrimento, com a perda e com o crescimento, preferindo ancorar-se em fantasias estéreis que não exigem esforço, conflito ou transformação.

Para aprofundar essa análise, conversamos com o psicanalista Eduardo Casarotto, que enumera seis razões pelas quais a obsessão pelos bebês reborn configura uma nova neurose social: (1) substituição do objeto real pelo objeto fetichizado, (2) recusa simbólica do luto, (3) negação da alteridade, (4) regressão psíquica à fase oral de desenvolvimento, (5) idealização patológica da maternidade e paternidade pela incapacidade de ter filhos e (6) esvaziamento do laço social genuíno em favor de relações imaginárias narcísicas. A análise de Casarotto apenas reforça o que já se impõe aos olhos mais atentos: estamos nos afundando em uma patologia social silenciosa, travestida de passatempo inocente.

De acordo com Eduardo Casarotto, é fácil entender o que leva um adulto a entrar nessa fantasia; a neurose! "Psicose é quando a pessoa acredita de fato que o bebê está vivo. Fora as pessoas que acham que a criança está viva, um caso a parte, chegamos na neurose. Pessoas que não elaboraram uma perda, um luto que não está cicatrizado, então a pessoa transfere a falta daquele familiar perdido, querido, pra cima do boneco", explica.

Ainda de acordo com Casarotto, a incapacidade de ter filhos é outro fator que joga o indívíduo nesta nova neurose. "a pessoa neurótica que não pode ter filho joga esse elemento do bebê reborn nesta transferência", elucida o psicanalista.

A permissão do brincar também é outro fator. "Em razão do nosso superego, o adulto vai perdendo essa capacidade, esse direito de brincar. Então muitos vão achando permissões sociais para ter o brinquedo e brincar. Há pessoas que transferem isso para carros, e outros desejos, e  nesse sentido a neurose também pode parar no bebê reborn. Brincar é uma necessidade humana".

Outo elemento é a encenação da funcação parental. Quando o indivíduo teve uma maternidade ruim, aquela pessoa que classifica não ter tido uma boa mãe, ela vai fazer com o brinquedo tudo que gostaria que tivessem feito com ela. A pessoa transfere também para esse brincar o que faltou na sua verdadeira maternidade ou paternidade. Isso sempre vai partir de uma falta", explica.

Outro fator importante é acometido nas pessoas muito orgulhosas que necessitam sentir um poder de controle, aquele indivíduo que deseja ter o controle de tudo. "É mais fácil para elas terem brinquedos onde o fingimento de uma relação afetiva é que vai entregar o total controle nas mãos daquele pai ou mãe ilosórios. O brinquedo não trai, não vai me magoar, não vai crescer e me deixar. Por último, manter viva uma peternidade ou maternidade que já passou ou não pode acontecer por motivos de força maior.  A conclusão é o alerta que estamos diante de uma nova neurose nada saudável.

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