
O que era pra ser uma homenagem se transformou em um verdadeiro atentado à memória afetiva do público. O remake de Vale Tudo, assinado por Manuela Dias, não apenas falha em atualizar a trama para os tempos atuais, como consegue a proeza de diluir toda a potência da obra original em frases batidas, personagens caricatos e uma condução sem alma. O que se vê no ar é uma versão genérica e desbotada daquela que é considerada por muitos a maior novela da história da televisão brasileira.
Nos bastidores da emissora, o burburinho é claro: virou chacota. Profissionais que cresceram assistindo à original estão estarrecidos com o rumo tomado pela nova versão. Os erros de continuação viaram piada, principalmente depois de ontem, quando a cena de um outro produto entrou sem querer no meio da novela. Algo está bem errado. A direção parece cega diante do desastre, e Manuela Dias, que já havia sofrido críticas em trabalhos anteriores, consolida aqui o maior tropeço de sua carreira. Não há defesa possível quando o material entregue desrespeita tanto o original quanto o público.
Os personagens, outrora complexos e emblemáticos, foram transformados em caricaturas sem nuances. Afonso virou um banana sem propósito, Maria de Fátima se resume a uma vilã de novela das sete mal escrita, Heleninha está à beira da loucura com zero sensibilidade no trato com o alcoolismo, e Odete Roitman, a maior vilã da dramaturgia, hoje parece a mais sensata do elenco, especialmente quando fala dos filhos, o que diz muito sobre o estado atual do texto.
E que texto. Cheio de frases feitas, diálogos que parecem saídos de novelas de décadas passadas e absolutamente nenhum esforço de contextualizar os conflitos para o Brasil de 2025. O remake opta por repetir falas célebres sem entender o contexto que as tornava memoráveis. O resultado é um festival de clichês que expõe o quanto a equipe por trás do projeto não compreendeu a profundidade da obra original.
Vale Tudo sempre foi sobre o Brasil, sobre a corrupção entranhada, sobre o jeitinho, sobre os dilemas morais de um país em formação. O remake, no entanto, soa como uma paródia de si mesmo: e das ruins. Ao tentar “reverenciar” o clássico, Manuela e companhia não apenas erraram a mão como também insultaram o legado deixado por Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères.
Diante de tamanha destruição, é difícil não cobrar consequências. Este trabalho deveria resultar em mudanças imediatas na direção da teledramaturgia da Globo. A emissora, que por tanto tempo foi referência mundial em novelas, não pode se dar ao luxo de entregar ao público uma obra tão desrespeitosa com a sua própria história. Se isso é o novo padrão, então é melhor não mexer em mais nada, porque Vale Tudo, definitivamente, não está valendo nada. E olha que eu tentei. Boa vontade para ver a novela de braços abertos não faltou.