
A arte de fotografar um nascimento não começa com a lente, começa com o silêncio, o respeito, o cuidado em ser invisível quando tudo que se revela é a vida. Por isso, não é pouca coisa o que os fotógrafos de parto e família vêm conquistando nas últimas décadas: o direito de estar ali. Não como protagonistas, mas como testemunhas sensíveis de um momento que é médico, íntimo, humano e, às vezes, frágil. É uma conquista feita com discrição, construindo confiança hospital por hospital, maternidade por maternidade. E como toda conquista feita no suor, ela é frágil diante de um escândalo ruidoso. É exatamente isso que começa a preocupar e indignar profissionais da área após a recente confusão envolvendo a fotógrafa que registrou o parto do filho de MC Daniel.
O problema não está no conflito em si. Todos que trabalham com eventos afetivos, sejam partos, casamentos ou batizados, sabem que desentendimentos podem acontecer. O que incomoda a categoria é a forma pública, teatral e midiática com que esse atrito está sendo tratado, especialmente em meio a uma separação envolvendo celebridades e redes sociais sedentas por tensão. É o tipo de episódio que escapa das partes e respinga num coletivo inteiro. E está respingando forte. Um dos fotógrafos mais respeitados da área já relata que uma maternidade no Rio pediu para aguardar antes de autorizar o acesso à sala de parto. Motivo citado? O episódio com MC Daniel.
"Disseram para eu aguardar, nunca teve isso. Fui informado agora a tarde que o hospital pensa em retornar com um modo antigo: um fotógrafo do próprio hospital para quem quiser, e que podem retornar a não permitirem mais a entrada de fotógrafos de fora. Inclusive, agora, o próprio hospital perguntou para a minha cliente o que ela achava!", disse indigando, comprovando por meio de telas o diálogo com a unidade hospitalar onde sua cliente dará a luz.
A coluna também fez contato de uma outra profissional que fez um alerta mais grave ainda, segundo seu ponto de vista profissional: "uma estratégia recorrente da profissional envolvida de se oferecer por permuta a casais famosos, sem cobrança, em troca de visibilidade. Em um país onde fotógrafos autônomos contam cada ensaio como renda do mês, isso soa menos como marketing e mais como demolição do nosso trabalho no mercado", aposta. Segundo a fotógraga, "quando a permuta ainda encontra a polêmica pública, o cenário prejudica a todos".
A coluna procurou outros profissionais da área, e descobriu que a insatisfação também bateu à porta: "Não é sobre escolher lados numa briga privada. É sobre entender que fotografar partos exige mais do que talento: exige ética, postura e sobretudo sigilo.", disse um dos profissionais consultados.
A conclusão após a coluna conversar com quatro profissionais da área é que tratar esse momento como vitrine pessoal compromete todo o esforço coletivo que vem sendo feito há anos para tornar essa profissão reconhecida, valorizada e, principalmente, com a continuação do espaço aberto para fotógrafos em salas de parto, fator este que demorou muito tempo para ser conquistado, e que ainda divide opiniões entre alguns obstetras.
"O que se esperava de quem tem acesso a esse tipo de espaço, independentemente do que acontece lá dentro, é o máximo de discrição, essa é a regra básica que o Hospital impõe para deixar um fotógrafo de fora entrar no centro cirúrgico. Quando se expõe uma situação dessas na internet, divulgando vídeos de confusão nesse ambiente, quando se transforma o parto num episódio de série, o que se rompe não é só a confiança entre fotógrafo e cliente, é a delicada rede de acordos que mantém esses profissionais dentro das salas de parto.
A dor dos fotógrafos de parto hoje é uma só: trabalharam demais para entrar ali, e agora, por conta de um caso, podem começar a ser barrados por todos. O ego ganhou o centro da imagem, e o foco saiu daquilo que deveria estar em primeiro plano: a vida, a família, o respeito. Porque no momento do nascimento, o que menos importa é quem está com mais likes, importa quem sabe ficar em silêncio para deixar a luz entrar.