Num tempo em que o silêncio costuma ser a resposta do luto, Gilberto Gil escolheu cantar em palavras a mais comovente das melodias: a permanência do amor. Ao escrever hoje em seu Instagram, poucas horas após a despedida de sua filha, que “onde houver amor, haverá Preta Gil”, Gil, em vez de receber, nos dá um abraço. Um abraço largo, baiano, quente, capaz de atravessar não apenas o tempo, mas também aquilo que parece nos separar para sempre: a morte.

Gil está dizendo, sem dizer, que há vínculos que nem o fim consegue cortar. Que há presenças que seguem nos acompanhando mesmo quando os corpos já não estão. A frase dele, curta e profunda, é ao mesmo tempo prece e poema: onde houver amor, haverá Preta. Onde houver beleza, coragem, alegria, gargalhada, afeto, generosidade, tudo o que ela foi, ela continuará sendo. Quem foi amor em vida, jamais desaparece por inteiro.

A delicadeza do gesto de Gilberto Gil, nesse momento tão brutal, é um lembrete para todos nós: quando tudo parece ruir, ainda podemos escolher a ternura, a generosidade. E, vindo dele, essa ternura não é só uma escolha, é uma herança, um legado, uma filosofia. Ele, que por tantas vezes ofereceu o ombro ao país com sua música, agora oferece o coração. Um pai que, mesmo em frangalhos, segura na mão de quem o lê e sussurra: ainda existe luz.

Gil não nega a dor, mas não a permite endurecer o mundo. E ao fazer isso, nos convoca a perceber que talvez o mais revolucionário dos sentimentos não seja a esperança, mas o amor em sua forma mais radical: aquele que permanece mesmo quando tudo o mais se desfaz. Aquele que consola sem prometer respostas. Que permanece sem exigir presença. Que sobrevive e insiste onde tudo mais parece ter terminado.

“Gil, aquele abraço”, queremos dizer de volta. Porque neste gesto tão singelo de um pai devastado, há um mundo inteiro que se curva em respeito. Há uma Preta que não se vai. E há, acima de tudo, um amor que não morre.