Alessandro Lo-Bianco
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Vale Tudo: mesmo se alma é vendida por pouco, o diabo cobra caro

Ivan, Heleninha e Odete: a clássica aposta no amor como escada social que desaba com a mesma frieza que foi erguida

Renato Góes
Foto: Reprodução/Instagram
Renato Góes



Há pactos que não são selados com sangue nem testemunhados por entidades sombrias, mas que têm o mesmo efeito corrosivo de uma maldição. O Ivan de Vale Tudo, personagem de Renato Góes, talvez nunca tenha admitido nem para si mesmo que se envolveu com Heninha por puro cálculo: uma aproximação polida, disfarçada de carinho, mas movida por interesses que iam além do afeto. No fundo, ele via naquela relação uma alavanca, uma escada social interna ao império da família Roitman. Não disse em voz alta, mas consentiu em silêncio. E o silêncio, muitas vezes, é o jeito mais discreto de vender a alma.

Odete Roitman, que de megera nunca teve só a aparência, mas sim um radar cirúrgico para identificar oportunistas, apenas verbalizou o que o roteiro da vida já ensaiava: o emprego de Ivan pode acabar com o fim do casamento. Parece vingança, mas talvez seja apenas justiça. Não a da moral pura, mas a da coerência das estruturas. Quem tenta moldar os afetos à lógica do interesse, uma hora será engolido por essa mesma lógica. Quando o amor é investido como ativo de carreira, seu colapso traz prejuízo emocional e também financeiro.


A sociedade brasileira conhece bem esse tipo de movimento. E esse tipo de gente também. Quem nunca foi usado? A ascensão pelo afeto, o uso das relações como trampolim, o verniz sentimental para disfarçar ambições é uma prática que nasce do desespero por mobilidade social num país onde a meritocracia é ilusão e o sobrenome ainda vale mais que o talento. Ivan é um produto desse sistema. E se por um lado podemos compreendê-lo com empatia, por outro, não podemos eximi-lo das consequências.

A Odete do mundo real é a própria estrutura social: ela acolhe o jogo enquanto serve, mas não perdoa o fracasso quando a aposta é mal calculada. Há, nesse tipo de pacto, uma armadilha oculta: ele é, por natureza, instável. Porque tudo o que nasce do desejo de ocupar um lugar que não se sustenta pela verdade acaba ruindo. E quando ruir como ruiu para Ivan, caro leitor, o dano não será simbólico. Será prático, direto, duro. Uma vez vendido, ainda que minimamente, o espaço de si mesmo por uma promessa de poder, o retorno virá com a mesma medida. Não há meio pacto com o diabo. Não existe meia consequência. O diabo cobra até o centavo que você não tem mais para dar.

Ivan agora paga a conta de uma escolha que, talvez, nunca tenha sentido como escolha. Mas foi. E como toda escolha que contorna a autenticidade para agradar a engrenagem do poder, ela cobra. Não porque a vida seja cruel, mas porque ela é exata, como uma conta que precisa fechar. A experiência da vida mostra. Uma hora, ou outra: castelo construído com intenções disfarçadas sempre revela suas rachaduras. E é nelas que a justiça da vida escorre silenciosa, mas implacável. Primeiro infiltra, depois estouram bolhas no teto, e por fim a água escorre pelo chão sujando o piso.