Alessandro Lo-Bianco

Jogos da mente

Uma nova geração de realities como The Traitors e The Mole aposta no psicológico em vez do escândalo

The Traitors
Foto: Reprodução
The Traitors


Os reality shows deixaram a trivialidade do paredão em segundo plano. O êxito de formatos como The Traitors e The Mole marca uma virada instigante: não basta mais vigiar corpos em convívio forçado: é preciso infiltrar-se na mente. O público, sempre ávido por narrativas humanas, parece ter deslocado seu interesse do espetáculo das emoções para o campo mais sutil da estratégia, da dúvida e da desconfiança. E isso diz tanto sobre os formatos quanto sobre quem os consome.

É curioso notar que, à primeira vista, The Traitors e The Mole poderiam parecer apenas mais um jogo de eliminação entre anônimos e celebridades. Mas sua força não está nos conflitos abertos, e sim na arte da manipulação, na tensão silenciosa dos quartos fechados, no olhar que hesita entre a cumplicidade e a suspeita. O escândalo aqui não é o grito, mas o sussurro. São formatos que se sustentam menos pela explosão de vaidades e mais pela implosão das certezas, o que é profundamente desconcertante.


A televisão, sempre sensível aos humores coletivos, parece captar uma exaustão generalizada com o excesso. A gritaria de outros tempos deu lugar a algo mais sofisticado: a dúvida. E nesse campo, o espectador se vê estranhamente envolvido; não como juiz moral, mas como cúmplice das engrenagens do jogo. Há um prazer perverso em torcer pela mentira bem contada, em admirar a frieza estratégica. É quase como se os realities finalmente reconhecessem que vivemos em um tempo onde o jogo psicológico é o verdadeiro espetáculo.

Claro que isso não significa que o escândalo morreu. Ele apenas migrou de forma. Sai o barraco explícito, entra o dilema ético. Sai a agressividade física, entra o enigma moral. O público que antes se deliciava com a espontaneidade do caos agora parece fascinado pela construção meticulosa da narrativa. E quem não se assusta com isso, adapta-se como jogador, como espectador, como criador. O susto está em perceber que o entretenimento nos conhece mais do que imaginávamos.

O sucesso dos realities imersivos e experimentais que estão sendo tendências talvez revele um desejo coletivo de simular o mundo real dentro de uma moldura de ficção; só que com mais clareza nas regras e com finais mais precisos. Eles nos treinam, silenciosamente, para a convivência com o não dito, com a ambiguidade e com o medo de confiar. E nesse espelho enviesado que é o reality show contemporâneo, talvez vejamos não apenas o outro, mas a sombra daquilo que nos tornamos.