Alessandro Lo-Bianco

Vale Tudo: a maionese vai azedar

Entre estratégias invisíveis e calculadas, o que fazemos quando alguém tenta contaminar o prato principal da nossa vida?

Globo mantém em segredo assassino de Odete Roitman no remake de Vale Tudo
Foto: Reprodução/Internet
Globo mantém em segredo assassino de Odete Roitman no remake de Vale Tudo



A cena é clássica e, como toda boa dramaturgia, serve de espelho para a vida real. Em Vale Tudo, Odete Roitman, com a precisão de um relojoeiro e a frieza de um jogador de xadrez, decide atingir Raquel não com um ataque direto, mas usando um intermediário: o namorado da empresária. É como se, na cozinha da existência, ela tivesse percebido que não precisava derrubar a mesa: bastava azedar a maionese. A estratégia é simples e cruel: introduzir no meio de algo íntegro um elemento calculado para corromper o todo.

Esse tipo de comportamento que Odete colocará em prática é chamado de manipulação indireta na vida real. A pessoa que manipula raramente aparece como autora da ação; prefere agir nos bastidores, usando terceiros como peças de um tabuleiro emocional. Na psicanálise, podemos pensar no gozo perverso de quem obtém prazer não só no resultado final (a derrota do outro), mas no processo de ver a harmonia alheia se desfazer, gota a gota, até não restar sabor. É o prazer de cozinhar o desastre.


O mais inquietante é que muitas vezes só percebemos o sabor amargo depois da primeira colherada. No início, tudo parece igual: as conversas, os gestos, as rotinas. Mas o ingrediente estranho já está ali, dissolvendo-se de forma invisível, impregnando cada pedaço. É nesse momento que o ser humano enfrenta uma das mais duras descobertas: que o enredo não é apenas sobre o que fazem com a gente, mas sobre a nossa capacidade de identificar quando a receita muda de gosto.

Para alguns, principalmente nos relacionamentos amorosos, a reação é a negação: a gente acaba insistindo que a maionese ainda está boa, que é só uma impressão. Outros, com um faro mais apurado, reconhecem a mudança e retiram o prato da mesa antes que todos provem. A consciência, nesse caso, é o nosso paladar emocional: quanto mais treinado, mais cedo detectamos os sinais do gostinho amargo. É uma competência silenciosa, que se desenvolve com feridas passadas e a coragem de nomear o que antes parecia invisível.

Talvez a maior lição que Odete vai levantar nessa atitude leviana seja entender que não controlamos o apetite dos outros para azedar nossas receitas, mas podemos escolher quem deixamos entrar na cozinha. Em um mundo onde existem tantas Odetes, proteger a maionese não é paranoia: é amor-próprio temperado com lucidez. Porque, no prato da vida, não é o número de convidados que importa, mas a integridade do sabor que decidimos servir. E melhor do que provar e cuspir, é não colocar na prateleira.