
A violência doméstica, quando chega ao domínio público com provas, testemunhos e confissões, já não pertence mais apenas ao drama íntimo de um casal. Transborda os muros da casa, invade as redes, chega à imprensa e à consciência coletiva. No caso de Dado Dolabella e Marcella, há prints, áudios, confissões a advogados e até testemunhos de amigos e advogado que confirmam o pedido de socorro da vítima. O país viu, leu e ouviu. E, diante disso, não há mais espaço para a indiferença institucional, após três dias, especialmente da Delegacia de Atendimento à Mulher, cuja missão é proteger e agir.
É importante lembrar que a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) autoriza a instauração de inquérito policial mesmo sem a representação formal da vítima, desde que existam indícios suficientes de violência doméstica. O artigo 12-C, §3º, é claro: o registro da ocorrência e a apuração podem e devem ser iniciados pela autoridade policial ao tomar conhecimento dos fatos. Quando a denúncia se torna pública, com elementos concretos, o dever de agir passa a ser também do Estado. Não é uma escolha. É uma obrigação legal.
Muitas vezes, a vítima declina da denúncia não porque não sofreu, mas porque tem medo. O agressor, na maior parte dos casos, exerce poder psicológico, econômico ou emocional capaz de paralisar quem está sob sua influência. O silêncio, portanto, não é ausência de dor, mas sinal de coação. É justamente por isso que a lei prevê a possibilidade de investigação independente: para que o Estado não se torne cúmplice de quem oprime, intimidando a mulher a permanecer calada.
A Delegacia da Mulher, neste momento, não pode cruzar os braços esperando um boletim de ocorrência formal. Cabe-lhe agir de ofício, abrir um inquérito, ouvir testemunhas e garantir medidas imediatas. A omissão institucional, num caso com tamanha repercussão e clareza de provas, seria uma segunda agressão, não apenas contra Marcella, mas contra todas as mulheres que já temeram nas mãos de um agressor. Quando o grito se torna público, o silêncio da autoridade é cúmplice. É hora de agir.
