Bebê Reborn
Divulgação Ellen Paglianti
Bebê Reborn


Já conversei com psicanalista, sociólogo e até filósofo para perceber que algo está profundamente fora do eixo quando adultos, muitos deles em plena saúde mental e física, decidem investir tempo, afeto e dinheiro em bebês de silicone. Não se trata de uma coleção de bonecas. Trata-se de uma geração desesperada para anestesiar a dor do real, criando vínculos com algo que nunca vai crescer, chorar de verdade, nem confrontar quem o cuida. É uma relação segura porque é falsa. E é justamente aí que mora o abismo: no controle absoluto de um afeto que não retorna, que não exige, que não vive. Um afeto fabricado para tapar um buraco que só aumenta.

A onda dos bebês reborns não é uma moda inocente. É um sintoma. É uma resposta desesperada de um mundo que não quer mais lidar com a complexidade da realidade, com a frustração dos vínculos reais, com a falha, com a perda. É a tentativa de congelar o instante do amor idealizado e da maternidade sem peso. Só que o amor real é imperfeito. A maternidade real é caótica. A vida real é imprevisível. E quando se troca tudo isso por uma fantasia embalada em vinil e olhos de vidro, o que se está fazendo é uma aposta no vazio, que pode parecer aconchegante agora, mas que vai cobrar sua conta com juros altíssimos em poucos anos.


Essa fuga coletiva para o falso está longe de ser inofensiva. O falso oferece conforto, mas não cura. Oferece controle, mas não vínculo. Alimenta uma ilusão de plenitude que vai apodrecendo por dentro. E quando esse castelo de silicone ruir, porque ele vai ruir, o que restará será o desespero. Porque quanto mais tempo se vive numa ilusão, mais difícil é encarar o real. E o real, quando volta, não avisa. Ele chega cru, violento, e impõe suas regras. Será nesse momento, e ele virá, que muitos vão correr para outra ilusão. Outro objeto, outra febre, outro autoengano. A fome da alma não será saciada por nada disso.

Há algo profundamente perturbador em ver adultos dizendo que “amam” seus reborns, que “levam para passear”, que “cuidam como se fossem filhos”. Não se trata de amor. Trata-se de carência transbordando, de dor não nomeada, de frustração acumulada e mal elaborada. É o falso sendo promovido ao posto de consolo. É a fantasia sendo tratada como remédio. E, como todo remédio mal administrado, esse também vai ter efeitos colaterais.

Daqui a dois, três, cinco anos, veremos o que essa anestesia coletiva terá deixado. E não será bonito. Serão pessoas emocionalmente esgotadas, com dificuldade de lidar com relações reais, incapazes de suportar frustrações mínimas, viciadas em substituir vínculos por simulacros. A geração dos bebês reborns pode parecer excêntrica agora. Mas, no futuro próximo, ela pode se tornar um símbolo trágico de uma era que trocou o real pelo confortável e colheu o vazio como herança.

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