
Gilberto Braga não era apenas um mestre da dramaturgia televisiva; talvez tenha sido, sem querer, um sociólogo disfarçado. Em suas tramas, o Brasil despia suas máscaras e revelava a complexidade do cinismo, da corrupção, da ambição e da desesperança que marcam nossa vida política e social. Assistir a uma novela de Braga é como folhear um espelho distorcido, mas reconhecível da realidade brasileira.
Suas personagens, muitas vezes caricaturas, funcionam como arquétipos da elite, da classe média e das periferias em um cenário marcado pela disputa de poder e pela negociação constante da ética. Braga antecipou o desgaste das instituições, a naturalização do escândalo e o drama das relações de poder revestidas de normalidade. Em suas histórias, o cinismo não é apenas traço individual, mas fenômeno coletivo e cultural.
A prosa das novelas, aparentemente distante dos discursos acadêmicos, revela-se um laboratório de ideias sobre o Brasil contemporâneo. Gilberto Braga expôs a tensão entre aparência e essência, o teatro da política e a desilusão do povo. Suas tramas são, portanto, uma aula implícita sobre o comportamento político nacional: um alerta velado, mas contundente, sobre os perigos do conformismo e da apatia.
Ao revisitar seu legado, fica claro que Braga não só escreveu sobre o cinismo brasileiro, mas também antecipou sua naturalização e o lugar que ele ocuparia na esfera pública. O roteiro cru e original de Vale Tudo, hoje facilmente acessado em PDF pela internet, ao mesmo tempo que é dramático e crítico, pode ser lido como um diagnóstico da crise moral e ética que atravessamos, um espelho que reflete um país ainda em busca de suas próprias verdades.
Há quem diga estufando o peito: "eu não perco o tempo assistindo novelas". Há comportamentos hoje dentro da sua casa que partiram das novelas. Principalmente em relação às liberdades. Gilberto Braga nos ensina ainda que o melodrama da televisão pode ser também o melodrama da política, e que a arte, mesmo popular, tem o poder de sondar as profundezas do nosso tecido social.
Em tempos de tanta polarização e cinismo, talvez seja hora de reconhecer seu papel quase profético e, quem sabe, encontrar nas suas histórias algum caminho para além da desilusão.