
Não se sabe exatamente onde a narrativa se perdeu. O que se sabe é que a personagem de Bela Campos foi, de um capítulo para o outro, arrancada da construção sólida que vinha sendo feita e jogada num abismo de incoerência. Maria de Fátima, que nasceu forte, ambiciosa, com traços clássicos de uma vilã que poderia rivalizar com Odete Roitman, foi misteriosamente transformada numa menina mimada, imatura, obcecada por seguidores e likes.
A mulher que saiu de Foz do Iguaçu, dobrou um garoto de programa e se casou com um dos homens mais influentes do Brasil simplesmente não existe mais. Ela regrediu com um roteiro e um diálogo para uma adolescente de 15 anos.
Quando voltou da Europa, esperava-se uma Fátima mais sofisticada, mais estratégica, talvez mais cínica, mas certamente mais perigosa. O que apareceu, no entanto, foi uma caricatura adolescente de si mesma. Fátima voltou com ares de blogueirinha, batendo pé por conta de redes sociais, choramingando por engajamento, medindo valor social por número de seguidores. A personagem que antes manipulava adultos poderosos agora trava discussões com Odete dignas de um fórum de fãs mirins. E tudo isso culmina numa cena constrangedora: duas mulheres debatendo se o Instagram deve ou não ser apagado, como se isso fosse a maior tragédia do século.
A impressão que dá é que trocaram a atriz no meio da novela ou, mais grave, que trocaram a personagem. A regressão de Maria de Fátima é tamanha que parece uma outra mulher, 20 anos mais jovem, dominada por uma vaidade digital completamente desalinhada com sua origem e trajetória. E nem a atuação de Bela Campos escapou ilesa: a mudança de tom, de corpo, de voz, de intenção, tudo denuncia essa infantilização forçada que desmontou o que havia de mais interessante na personagem. O pouco que tinha.
É uma pena porque havia ali um terreno fértil para uma crítica poderosa sobre a influência das redes sociais na construção de identidade e poder. Mas a abordagem foi rasa, desajeitada, e o que poderia ser uma crítica à sociedade do espetáculo virou espetáculo da sociedade, sem sutileza, sem densidade. A dramaturgia perdeu o fio da coerência: e quando a coerência se vai, a emoção vai junto. O público sente, mesmo que não saiba nomear.
Fátima não precisava ser simpática, precisava ser crível. Era isso que a tornava perigosa, fascinante, viva. Agora, virou meme de si mesma. Restou uma personagem desmontada, um roteiro que tropeça nas próprias ideias e uma atriz que tenta, como pode, salvar o que ainda dá. Mas já não se trata mais de salvação.