
Há homens que não agridem apenas uma mulher: agridem a ideia de mulher. E quando o fazem, repetem o gesto com a convicção de quem acredita estar certo. Não é sobre um erro isolado, nem sobre o descontrole momentâneo. É sobre a crença arraigada de que o corpo feminino é extensão de um poder masculino que nunca foi questionado de verdade. Quando a violência se torna reincidência, ela deixa de ser acidente para virar método, e o agressor, ainda que se diga arrependido, carrega consigo o traço de quem se educou para dominar, não para coexistir.
A sociedade costuma oferecer a esses homens o benefício da dúvida, como se a brutalidade pudesse ser reeducada com boa vontade e meditação. Mas o problema é mais profundo: trata-se de uma falha estrutural, quase política, que mascara o machismo como temperamento e a agressão como reação. Psicologicamente, o agressor reincidente costuma oscilar entre o arrependimento performático e a necessidade de reafirmar o controle. Ele chora, promete mudar, mas no fundo só lamenta ter perdido o domínio, não o fato de ter ferido alguém.
Na moral, é o retrato de um país que ainda trata a violência doméstica como conflito de casal e não como crime. A reincidência, nesses casos, não é casual: é previsível. Porque a ausência de punição efetiva alimenta a impunidade simbólica. E é aí que o cárcere se torna mais do que uma medida judicial; é uma barreira civilizatória. Não se prende apenas para punir, mas para lembrar à sociedade que certos limites são inegociáveis e que o amor não pode ser argumento para o abuso.
Não é segredo, se o assunto é violência contra a mulher o Estado hesita em agir, ele se torna cúmplice. Cada vez que um agressor reincidente volta às manchetes, o sistema inteiro se revela falido; do juiz que concede liberdade ao público que relativiza a dor da vítima. O cárcere, embora imperfeito, ainda é a única forma de dizer que o que se repete maia de três vezes precisa parar. E, às vezes, a prisão é o único espelho capaz de refletir o que a consciência se recusa a enxergar.
Porque há quem confunda liberdade com licença para violentar. E há quem continue acreditando que, com o tempo, o violento se tornará pacífico. Mas a história mostra o contrário: quem se acostuma a agredir uma mulher, e não desaprende o gesto, apenas muda de rosto a vítima. É por isso que o limite precisa ser imposto não pela esperança, mas pela lei, antes que o próximo rosto surja, de novo, na imprensa nacional.
