Manuela Dias
Globo/João Miguel Júnior
Manuela Dias



Definitivamente, a classe dos terapeutas não está em paz: e com razão. A novela Vale Tudo, na adaptação de Manuela Dias, tem criado um paradoxo indigesto para quem luta, dia após dia, para desestigmatizar os tratamentos de saúde mental no Brasil. É difícil ignorar que praticamente todos os episódios de recaída da personagem Heleninha tenham ocorrido imediatamente após suas sessões de terapia. Pelo menos os últimos três porres dela começaram assim: ela sai do consultório, acaba de sair da sessão de terapia, encontra um copo e afunda. Seria cômico se não fosse cruel. A impressão que dá é que a novela faz campanha velada contra a terapia, insistindo nas recaídas após as sessões.

Num país onde a saúde mental ainda é cercada de tabus e onde a busca por ajuda profissional é, muitas vezes, vista como fraqueza, esse tipo de construção narrativa beira o irresponsável. Em vez de contribuir para a naturalização do processo terapêutico, Vale Tudo parece reforçar o velho e perigoso estigma de que terapia “não resolve nada”, "besteira de gente rica",  e que, pior, pode até piorar as coisas. Manuela Dias, que já demonstrou habilidade para tratar temas sensíveis com elegância, desta vez tropeça feio. E a classe dos psicólogos, analistas e terapeutas não está disposta a engolir calada esse desserviço.


A pergunta que ecoa nas redes sociais, nas rodas de análise e até nos próprios consultórios, e que essa semana começou a ser discutida dentro das salas de aulas dos cursos de psicologia é: o que está acontecendo com Manuela Dias? Que recado ela quer passar? Em um roteiro repleto de intenções morais, justiça poética e crítica social, esse detalhe não pode ser considerado aleatório. Ao mostrar sistematicamente a terapia como antesala do desastre, a novela presta um enorme desfavor não só aos profissionais da área, mas principalmente ao público que ainda hesita em buscar ajuda por medo, vergonha ou preconceito.

É claro que a ficção tem liberdade criativa, e personagens como Heleninha têm trajetória complexa. Mas quando a ficção repete o mesmo tropeço com precisão quase cirúrgica, em diversos capítulos, já não é só construção narrativa: é discurso. E o discurso de Vale Tudo, hoje, contribui para um imaginário perigoso. O Brasil precisa, urgentemente, de mais incentivo ao cuidado emocional. O que a novela faz, ao contrário, é plantar a dúvida, semeando desconfiança e dando um passo atrás numa luta que tem sido, até aqui, de muitos avanços. Que Manuela Dias escute, nem que seja na próxima sessão com sua analista. 

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