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A novela Vale Tudo é um marco da dramaturgia brasileira justamente porque ousou fazer a pergunta mais incômoda de todas: vale a pena ser honesto no Brasil? No centro dessa reflexão, dois personagens se enfrentam de forma silenciosa, mas profunda — Raquel, interpretada com firmeza por Thaís Araújo no remake, e Ivan, vivido por Renato Góes, que representa a figura mais perigosa do cotidiano: o falso honesto, aquele que parece decente, mas está sempre pronto para “negociar” a própria integridade em nome de uma ambição disfarçada de bom senso.

Raquel é a personificação da honestidade inegociável. Não se trata de uma santa ou de alguém moralista, mas de uma mulher que sabe exatamente o que acredita — e que paga um preço alto por isso. Sua força está na coerência entre discurso e ação. Ela não faz atalhos nem relativiza princípios. Raquel mostra que ser honesto não é fácil, não é rápido e, principalmente, não é para os fracos. Ela perde, sofre, é desvalorizada, mas segue de pé. E é justamente por isso que inspira: sua retidão não se dobra nem diante das injustiças mais escancaradas.



Já Ivan é o oposto travestido de aliado. Fala com doçura, tem argumentos convincentes, parece ponderado, humilde e 'super família'. Mas, no fundo, está sempre calculando. Ele representa o tipo de pessoa que diz “sou honesto, mas…” — e é nesse “mas” que mora todo o perigo. Ivan é aquele que vende a própria integridade aos poucos, em suaves prestações, sempre com uma boa justificativa. Acha que merece mais, que está sendo injustiçado, que só está fazendo o que qualquer um faria e o principal: ainda faz você sentir culpa por não serrado também. É o típico personagem que acredita que os fins justificam os meios, e por isso não percebe que, pouco a pouco, vai se tornando igual àqueles que mais critica.

Essa dualidade entre Raquel e Ivan é o espelho da sociedade em que vivemos. Quantos “Ivans” nos cercam todos os dias, com sorrisos ensaiados e discursos éticos que duram até o primeiro sinal de lucro? Quantas pessoas se escondem atrás da aparência de decência, mas carregam no bolso um desvio de caráter dobrado, pronto para ser usado? A novela, mais do que contar uma história, escancara uma verdade desconfortável: o maior inimigo da honestidade não é o corrupto declarado, mas o corruptível silencioso, o Ivan que vive entre nós.

No fim das contas, Vale Tudo nos convida a refletir com profundidade sobre o que significa ser íntegro. Não basta parecer honesto — é preciso sê-lo quando ninguém está olhando, quando não há vantagem, quando o mundo inteiro parece premiar quem trapaceia. Raquel nos lembra que honestidade é resistência, é escolha diária, é compromisso com algo maior que o próprio umbigo. E Ivan, com toda sua ambiguidade, nos alerta: o falso honesto é o personagem mais trágico de todos — porque ainda acha que é melhor que os desonestos assumidos. E isso, talvez, seja o maior autoengano da nossa era.

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